O Arco-Íris em uma Taça de Cava
J.K. Rowling, a célebre criadora de Harry Potter, disse o seguinte: “Uma boa primeira impressão pode fazer maravilhas”. No mundo da enologia, a responsabilidade por essa primeira impressão recai na cor do vinho com que vamos deleitar nossos sentidos do olfato e do paladar. No entanto, como bons descendentes de primatas que somos, a visão é ao mesmo tempo um filtro a ser superado e uma fonte de prazer em si mesma. Em várias ocasiões, tratamos neste blog de questões relacionadas à percepção das nossas cavidades bucais e nasais, então é hora de dar à percepção visual a importância que ela merece.
As cores do vinho: um código natural infalível
Para remontar ao início do vinho, ou seja, às videiras, pode-se dizer que elas utilizam as cores de forma muito sábia. Não sem razão, as primeiras folhas têm certos tons avermelhados para não serem tão atraentes aos herbívoros, ao mesmo tempo que essas gamas atuam como protetores solares. No caso dos cachos maduros, busca-se justamente o efeito contrário, ou seja, atrair a fauna para consumir o fruto, cuja semente é assim dispersada (para ser exato, as plantas não agem dessa forma voluntariamente, obviamente, mas é o processo de seleção natural que escolheu os indivíduos que manifestam esse comportamento).
Conforme as uvas evoluem para seu ponto ótimo de colheita, são geradas substâncias com estrutura química semelhante, genericamente chamadas de fenóis. Esse grupo de compostos é crucial para proteger as uvas dos raios solares e, além disso, confere ao fruto a capacidade de originar um produto tão sutil e versátil como o vinho, o que não é possível com outras frutas menos complexas. Por isso, os fenóis presentes na uva são merecidamente chamados de “compostos nobres”. Dentro dos fenóis, são os flavonoides que dão origem à cor dos cachos: antocianinas nos tintos e flavonóis nos brancos. Em ambos os casos, a coloração também é influenciada pela espessura da casca, que constitui igualmente um poderoso protetor solar. Além disso, esses elementos desempenham um papel fundamental no processo posterior de vinificação e, consequentemente, no produto final.
A fabricação da cava: uma tradição com muito colorido
Seguindo o processo, uma vez colhida a uva, ela é prensada para se obter o precioso mosto. O mosto é praticamente transparente, independentemente do tipo de uva de que provém, uma vez que a polpa é sempre de um tom pálido (bem, nem sempre completamente, mas podemos assumir isso para todas as uvas com que lidamos habitualmente). É justamente no processo posterior de maceração (no qual o mosto é deixado em repouso com os bagaços: cascas, polpa, sementes e caules) que o mosto adquire a cor original da uva; o enólogo, por meio do controle da duração da maceração, exerce grande influência na cor obtida, bem como em outras qualidades organolépticas (entre outras possibilidades, encurtando esse tempo, podemos obter um vinho rosé em vez de tinto). No caso dos mostos destinados a produzir cava, predominantemente brancos, o processo de maceração não é realizado na maior parte das vezes. Um caso curioso é o champanhe, cujo processo de elaboração é o mesmo da cava, que frequentemente utiliza uvas Pinot Noir, que são tintas, embora a cor final continue sendo o dourado característico desses espumantes.
Uma vez macerado, o mosto é fermentado para se obter vinho; nessa etapa, existe certa capacidade de modular a cor também — e, consequentemente, o aroma — por meio, por exemplo, de um contato mais ou menos prolongado com as borras (sedimentos do vinho, que precipitam durante a fermentação). Vale dizer que a cava realiza esses processos da mesma forma que um vinho tranquilo, a diferença reside no fato de que, uma vez chegado a este ponto, os vinhos espumantes passam por uma segunda fermentação, em garrafa se seguirem o método tradicional, enquanto os outros seguem por caminhos diversos dependendo do tipo de vinho (engarrafamento direto para os jovens, envelhecimento em barril…). No que se refere à cava, os processos a partir da maceração têm pouca relevância quanto à cor dos espumantes brancos. No entanto, nas cavas rosés, essas etapas têm importância vital; há uma certa tendência atualmente a preferir as cavas rosés “cor de pele de cebola”, ou seja, puxando para os mais claros. Contudo, posso testemunhar com minha experiência que há um número considerável de pessoas que preferem um tom de vermelho mais vivo. Já se sabe que gostos não se discutem…
As cores da maturidade
Não vou detalhar aqui como evolui a cor para os vinhos tranquilos (envelhecimento em barril de carvalho, aço inoxidável…), mas vamos nos concentrar na cava. Para os brancos, os jovens apresentam uma cor amarela palha, com certas tonalidades esverdeadas. Com o tempo, o contato prolongado com as borras da segunda fermentação, assim como uma oxidação controlada, confere uma cor mais escura, tendendo a um dourado quente. Vale dizer que a oxidação, embora possa ter uma certa conotação negativa, é uma evolução totalmente normal — eu diria que desejada — para qualquer tipo de vinho, desde que não se chegue ao ponto de estar “estragado”. No caso da cava rosé, a tendência com o envelhecimento é para tonalidades âmbar. Portanto, os cavas brancas tendem a escurecer, enquanto o tempo clareia os rosés.
A cor do vinho: um assunto muito prolífico
Chegando a este ponto, devo dizer que queria explicar neste artigo alguns aspectos da degustação relacionados à cor, além de introduzir uma questão um pouco especializada, mas que considero interessante: a análise de vinhos e cavas por meio de procedimentos óticos. Dada a extensão deste texto, vamos deixar esses aspectos para outra ocasião, para não esgotarmos todos os temas… Bem, para dar um toque pessoal a tudo isso e caso tenha passado despercebido, devo confessar que sou apaixonado por tudo relacionado à ciência da luz.
Para a realização deste artigo, utilizamos informações dos seguintes links e bibliografia:
– “What does the colour of a wine tell you?”, 19/4/2019, Megan Blandford, goodfood Australia’s home of the hats.
– “White Wine”, Wikipedia.
– “The Science of Color in Wine”, 28/8/2020, Alex Russan, SevenFiftyDaily.
– “3 things to know about the Color of Wine”, Vivino.
– “Guide to Wine Color (What does it tell you, how to evaluate it)”, 14/3/2016, Hunter Robillard, Vinovest.
– “¿Por qué el vino blanco tiene ese color característico?”, 25/1/2019, Familia Martínez Bujanda.
Los siguientes post de nuestro blog tratan una temática afín a este artículo:
– Por que adoramos as bolhas da cava? (em espanhol)
– A taça ideal para saborear a cava. (em espanhol)
– A maldição das cavas doces. (em espanhol)
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